Namoro silencioso

— É isso! Sobre isso mesmo que eu queria discorrer e não conseguia me lembrar! Lembrou o conceito pra mim. Oum, que fofo... como eu te adoro...

— Que bom, minha querida. Então quero mais beijos. Mais beijos. Pode continuar com os beijos.

— O que você acha? A partir desse conceito, vou desenvolver duas linhas de pensamentos, vou abrir dois capítulos de 10 páginas pra cada, ou talvez mais, se incluir as citações. Caraca! Eu tava tentando achar o nome desse conceito há dias, e você agora, do nada, me fala! Te prepara pra chuva de beijos...

— Ontem, enquanto eu estava assistindo o campeonato sueco de curling no canal 546

— Por que você tá falando alto desse jeito?

— e no meio daquelas vassouras raspando a neve me deu a epifania, a luz, a ideia de que...

— vai! cochicha bem gostoso no meu ouvido essa tua ideia, vem

— Não, vou falar bem alto pra tu ouvir: FOI TUDO PLANEJADO NA VENEZUELA.

— Como?! O quê?! Você bebeu? Tomou drogas? O que é que... O quê?

— Péra, amor, onde tu tá indo? Volta aqui!

— Amor é o caralho! O que tá acontecendo contigo? Sai de perto de mim! Me deixa, não vem aqui! Fica nessa cama e não sai!

— Tá na TPM? Surtou agora por quê? Se não fosse eu te ajudar com... Ei! O que tu vai fazer com a caneca do Karl Marx que te dei de aniversário de namoro?

— Enfia essa porra de caneca no teu

— Tá loca, guria! Podia ter acertado minha cabeça! Olha o que tu fez, porra! E ainda deixou um buraco na parede! Podia ter me acertado!

— Seu falso! Cínico! Intelectualzinho fake! A maior fraude de todas que conheci! O que vai vir agora? Vai idolatrar o golpe de 64? Terra plana? Por Deus, pela Família Evangélica e eu passando roupa em casa esperando o maridinho fascista?

— Não é nada disso que tu tá pensando

— Como não? EU TE PEGUEI NO FLAGRA! Trepando com a escória fascista na minha frente! Ou você quer me sabotar? Quer terminar comigo, é isso? Quanto eles te pagaram? Quanto aquele japa escroto te depositou? Ele esteve aqui duas semanas atrás, o nobre deputado. Você deu o rabo pra ele por quanto?

— Calma. Senta. Respira. Eu não vou chegar perto. Respira e imagina uma luz doura

— Enfia essas bobagens Nova Era no teu... Porra, moleque, o que tá acontecendo contigo? Semana passada deu palestra sobre materialismo histórico dialético para 100 pessoas lá na reitoria, foi aplaudido! E ontem me veio com Chico Xavier e eu já não entendi bulhufas. E agora me vem  falar de palestra do Olavo!? Logo o Olavo! Tá pirando? Bateu a cabeça na estátua do Borba Gato? Sai de perto de mim! Nem vem! SAI DAQUI! Eu vou gritar mais alto!

— Vem pra cá, não quero te derrubar no chão

— Tá me machucando. Me solta!

— Muito pelo contrário: quero te proteger. E eu não quero estragar a minha camisa grunge que tu tá usando. Olha aí, um botão já caiu. 

— Então me larga! Solta a camisa! Para de me puxar! Nem ouse pensar que vou ficar nua agora na tua frente!

— Não é nada dis

— Você quer me sabotar! Me sabotar! Logo no melhor momento da minha vida! Tô indo bem no meio acadêmico, tô sendo chamada pra escrever artigos. Eu te contei que uma editora me chamou pra publicar minha tese? E logo agora que a banda está gravando e estamos na mídia, logo agora que estou bem, estou feliz, a GENTE! A gente tá feliz. E agora começou esse inferno de

— Calma. Deixa eu te abraçar. Vem, volta pra cama. Por favor. Por favor. Pode chorar no meu peito, vem. Vou cochichar no teu ouvido, presta atenção. É o seguinte: ...

— Então você tá fazendo isso porque eles

— Chiiiii, escuta: ...

— Então essa nossa briga foi fake para que eles... Mas por que você não dis

— Eu achei que tu tinha percebido. É um momento em que...

— por isso aquelas suas pesquisas na internet sobre

— ligas de Kevlar. Encriptação de ponta. Blindagem veicular. Sim.  

— E quanto custa esse colete? Não é exagero gastar tanto com

— Não, não é. E vou comprar dois.

— Mas... mas como é que vamos continuar conversando sobre nossos assuntos se

— Chiiiiiiiiiii! Já disse! Cuida o que tu fala.

— Mas como é que...

— Escreve com o dedo no ar. Isso. Isso. Tá ao contrário. Vem do meu lado pra eu entender. Isso. Mais devagar. É isso. Exatamente isso. Entendeu agora?

— Entendi. Me desculpa, é que surtei. Tem tudo isso que tá acontecendo lá fora, sabe. E desculpe pelos cacos vermelhos aqui na cama. Eu compro outra caneca, vai ser como se nada tivesse quebrado.

— Eles vão juntar os cacos. Eles vão ver que era vermelha e vão ver o rosto barbudo desenhado. Isso vai nos dar umas semanas de paz. Agora vem, deita aqui juntinho de mim, me desculpe também.

— Você é um gênio, meu amor.

— E onde foi rolar o botão dessa minha camisa? Eu quero ela do jeito que estava em 1998.

— Sim, meu capitão, será devolvida.

— Foi quando usei na festa da vitória. Muitos amigos, muitos mesmo. Todos sumiram, perdi o contato. Mas, mesmo assim, adoro essa lembrança. Coisas diferentes estavam acontecendo. Queria ter te conhecido naquela época. O resultado das urnas foi... Enalteficante. Profeciático.

— Essas palavras não existem.

— Eu sei. Mas vamos ter que começar a usar essas e outras paroles sbrizitas.

— E preparar os cotekéis motolóvis... Mas de qual eleição você tá falando? Por que a de 98? Foi em 98 aquela disputa pra governador que ganhou o Oli...

— Chiiii.... fala baixo! Vem cá, vamos ver um seriadinho besta no flix.

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